Adeus, meu amor, logo nos desconheceremos. Mudaremos os cabelos,
amansaremos as feições, apagarei seus gostos e suas músicas. Vamos
envelhecer pelas mãos. Não andarei segurando os bolsos de trás de suas
calças. Tropeçarei sozinho em meus suspiros, procurando me equilibrar
perto das paredes. Esquecerei suas taras, suas vontades, os segredos de
família. Riscarei o nosso trajeto do mapa. Farei amizade com seus
inimigos. Sua bolsa não se derramará sobre a cadeira. Não poderei me
gabar da rapidez em abrir seu sutiã. Vou tirar a barba, falar mais
baixo, fazer sinal da cruz ao passar por igrejas e cemitérios. Passarei
em branco pelos aniversários de meus pais, já que sempre me avisava. O
mar cobrirá o desenho das quadras no inverno. As pombas sentirão mais
fome nas praças. Perderei a seqüência de sua manhã - você colocava os
brincos por último. Meus dias serão mais curtos sem seus ouvidos. Não
acharei minha esperança nas gavetas das meias. Seus dentes estarão mais
colados, mais trincados, menos soltos pela língua. Ficarei com raiva de
seu conformismo. Perderei o tempo de sua risada. A dor será uma amizade
fiel e estranha. Não perceberei seus quilos a mais, seus quilos a menos,
sua vontade de nadar na cama ao se espreguiçar. Vou cumprimentá-la com
as sobrancelhas e não terei apetite para dizer coisa alguma. Não olharei
para trás, para não prometer a volta. Não olharei para os lados, para
não ameaçá-la com a dúvida. Adeus, meu amor, a vida não nos pretende
eternos. Haverá a sensação de residir numa cidade extinta, de cuidar dos
escombros para levantar a nova casa. Adeus, meu amor. Não faremos mais
briga em supermercado, nem festa ao comprar um livro. Não puxaremos
assunto com os garçons. Não receberemos elogios de estranhos sobre
nossas afinidades. Não tocaremos os pés de madrugada. Não tocaremos os
braços nos filmes. Não trocaremos de lado ao acordar. Não dividiremos o
jornal em cadernos. Não olharemos as vitrines em busca de presentes. O
celular permanecerá desligado. Nunca descobriremos ao certo o
que nos impediu, quem desistiu primeiro, quem não teve paciência de
compreender. Só os ossos têm paciência, meu amor, não a carne, com
ânsias de se completar. Não encontrará vestígios de minha
passagem no futuro. Abandonará de repente meu telefone. Na primeira
recaída, procurará o número na agenda. Não estava em sua agenda. Não se
anota amores na agenda. Na segunda recaída, perguntará o que faço aos
conhecidos. As demais recaídas serão como soluços depois de tomar muita
água. Adeus, meu amor. Terá filhos com outros homens. Terá insônia com
outros homens. Desviará de assunto ao escutar meu nome. Adeus, meu amor.
- Fabrício Carpinejar
Era mais um dia normal, ela acordo, tomo seu café, e ficou sem fazer nada, como sempre. Dia frio, sereno na janela do seu quarto bagunçado. Era bom, se essa bagunça fosse só no quarto dela. Mais não, a bagunça também estava na vida dela, no coração daquela pequena. Pequena, mais porém, com um coração enorme, e partido. Depois de tantos quebrar o coração dela, era possível o coração ainda ter espaço para amar? Ela ainda tinha motivos para sorrir? Talvez sim, talvez não, nunca se sabe né.
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