— | Tati Bernardi |
Era mais um dia normal, ela acordo, tomo seu café, e ficou sem fazer nada, como sempre. Dia frio, sereno na janela do seu quarto bagunçado. Era bom, se essa bagunça fosse só no quarto dela. Mais não, a bagunça também estava na vida dela, no coração daquela pequena. Pequena, mais porém, com um coração enorme, e partido. Depois de tantos quebrar o coração dela, era possível o coração ainda ter espaço para amar? Ela ainda tinha motivos para sorrir? Talvez sim, talvez não, nunca se sabe né.
quinta-feira, março 29, 2012
“Daqui a uma hora ele chega. Não deu tempo de
consertar o esfolado da minha unha e de esfoliar decentemente os pêlos
encravados. Esfolado, esfoliado. Tudo parece música e rima mas é só
porque você chega em uma hora. Tem um carro que passa lá longe, enquanto
eu tento abrir os olhos e encarar esse dia em que você chega. Esse
carro não sabe, mas foram mil anos abrindo os olhos e ouvindo carros e
ouvindo ruas e não ouvindo a sua voz. E agora a sua voz existe e você
chega em uma hora. Não estou pronta. Minha barriga dói. Eu tenho vontade
de vomitar. Eu não consigo comer de tanto medo que eu estou sentindo.
Eu quase desmaiei agora de manhã, porque pra piorar está calor. Não lido
bem com calor. Não lido bem com nada que não seja eu em minha bolha
arejada de imaginações. Mentira, não lido bem com minha bolha arejada de
imaginações também. Não lido bem com nada. Não deu tempo de virar
mulher. A hora que ele aparecer no desembarque do aeroporto, com sua
cara de homem, com sua voz de homem, eu vou ter vontade de pedir que ele
volte de onde veio e espere mais cem anos. Porque não deu tempo de eu
virar mulher. Eu vou ter vontade de pedir que ele me carregue no colo
até a casa da minha mãe e me entregue pra ela. Eu queria tomar sopa na
casa da minha mãe. Eu lembrei agora que minha mãe me dava Sustagem
quando eu ficava assim, tão assustadoramente encantada pelo mistério das
coisas. E ela temia que eu desintegrasse. E agora? Como faz quando se é
adulta? Qual é a sustagem de agora para que eu não desintegre? Como é
que se ama com um corpo de trinta e três anos se por dentro eu tenho
cinco anos e estou tremendo, apavorada, pressentindo o estrago que as
coisas de verdade podem causar. Por que eu chamo de estrago quando sei
que, na verdade, estrago é o que as coisas que não são de verdade
causam. Eu tenho tamanho pra suportar o tamanho das coisas de verdade?O
amor chega em uma hora e eu ainda não consegui comer, escolher a roupa,
arrumar minha franja, decidir se já posso amar. O amor chega em uma hora
e vai quebrar meu gesso mas eu não decidi se os ossos já estão bons o
suficiente. Mas ele vai chegar com trinta martelos e eu vou estar
esperando, forte e decidida, pra receber a porrada. E o ar que vai
entrar. E mais dor. E o ar que vai entrar. E quem sabe então alguma
felicidade, já que fui corajosa. Quem sabe a felicidade seja a harmonia
entre a dor e o ar que entram pelos poros que temos coragem de abrir? E
quem sabe só o amor seja o martelo possível?Escrevo isso e choro. Porque
quero tanto e não quero tanto. Porque se acabar morro. Porque se não
acabar morro. Porque sempre levo um susto quando te vejo e me pergunto
como é que fiquei todos esses anos sem te ver. Porque você me entedia e
dai eu desvio o rosto um segundo e já não aguento de saudade. E descubro
que não é tédio mas sim cansaço porque amar é uma maratona no sol e sem
água. E ainda assim, é a única sombra e água fresca que existe. Mas e
se no primeiro passo eu me quebrar inteira? E se eu forçar e acabar pra
sempre sem conseguir andar de novo? Eu tenho medo que você seja um
caminhão de luz que me esmague e me cegue na frente de todo mundo. Eu
tenho medo de ser um saquinho frágil de bolinhas de gude e de você me
abrir. E minhas bolhinhas correrem cada uma para um canto do mundo. E
entrarem pelas valetas do universo. E eu nunca mais conseguir me juntar
do jeito que sou agora. Eu tenho medo de você abrir o espartilho
superficial que aperto todos os dias para me manter ereta, firme e
irônica. Minha angústia particular que me faz parecer segura. Eu tenho
medo de você melhorar minha vida de um jeito que eu nunca mais possa me
ajeitar, confortável, em minhas reclamações. Eu tenho medo da minha
cabeça rolar, dos meus braços se desprenderem, do meu estômago sair
pelos olhos. Eu tenho medo de deixar de ser filha, de deixar de ser
amiga, de deixar de ser menina, de deixar de ser estranha, de deixar de
ser sozinha, de deixar de ser triste, de deixar de ser cínica. Eu tenho
muito medo de deixar de ser.Agora é menos de uma hora. Você vai chegar e
automaticamente minha agenda de milhares de regras e horários e
controles vai desaparecer. E eu vou ficar apavorada porque só o que eu
tenho é o contorno mentiroso que eu dou para os meus dias. E você,
porque me abraça e me dá outro desenho, é o vilão da minha vida
programada. Você é o tufão de oxigênio que invade meu nariz mas, porque
estou com tanto medo, mais parece falta de ar. Agora é menos de menos de
uma hora. Preciso terminar esse texto. Mas eu tenho medo, sobretudo, de
terminar esse texto. Sobre o que eu vou escrever se você for melhor do
que esperar por você?”
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